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Taberna da Amazônia reformula modelo de negócio durante a pandemia

Promover a conexão dos produtos da sociobiodiversidade amazônica com os brasileiros, criando elos mais curtos na cadeia de produção e vínculos mais diretos entre pequenos produtores da região norte e consumidores, é o centro da atuação da Taberna da Amazônia.

Anne Karoline Mello, fundadora da Taberna, é designer. Deu aulas durante um tempo, estudou e trabalhou com ecodesign, pesquisa de materiais, fez pós-graduação em gestão ambiental, trabalhou com o órgão de fomento à pesquisa do estado do Amazonas e cursou mestrado em design e sustentabilidade no Rio de Janeiro. 

Nascida em Manaus, ela passou por todas essas experiências antes de retornar às suas origens. E o modo que ela encontrou para esse retorno, tendo em vista as relações tecidas no Rio, onde vive e criou a Taberna, foi estabelecer uma ponte entre o sudeste e os pequenos produtores amazônicos.

O começo foi limitado à venda de castanhas produzidas pelo pai, como também de biscoitos de castanha para amigos. Aos poucos, com a aceitação e o interesse do público, foi ampliando os produtos oferecidos, passou a participar de feiras e até teve por um tempo uma loja física no Rio.

Funcionando de modo itinerante até o início de 2020, a Taberna da Amazônia participava de eventos oferecendo biscoitos de castanha, bombons de cupuaçu, castanha, chocolate com cacau nativo da floresta, jujuba de cupuaçu com mangarataia, cachaça de jambu, tucupi, geleias, tapioca, pimentas e farinhas, entre muitas outras delícias produzidas por comunidades amazônicas.

“Cresci numa família que tem uma conexão muito forte com o interior do estado do Amazonas. Minha família por parte de pai é proveniente do Purus, sempre trabalhou com extração e comércio de produtos in natura, e eu cresci vendo esse processo. Achava tudo aquilo muito grandioso, mas aquela realidade não parecia adequada para mim, porque tinha nascido na cidade de Manaus, estudava, queria sair, conhecer o mundo. Saí, estudei e, nessa volta, depois de fazer todo um estudo de meio ambiente e lidar com públicos diversos, fui entendendo a integração do que eu tinha feito com o reconhecimento do valor de onde eu nasci e o que os meus pais fazem. A Taberna é parte disso”, conta Anne.

Período de isolamento trazido pela pandemia inspira redesenho do negócio

Com a pandemia da covid-19, a Taberna da Amazônia teve uma queda de mais de 50% no faturamento. Anne usou o tempo livre para reformular o negócio, investigando áreas que demandavam melhor organização e trabalhando na ampliação da oferta de produtos.  

A alimentação continua sendo o forte da Taberna, mas produtos e serviços de outros nichos serão agora agregados ao catálogo.

 “Essa ampliação foi pensada a partir de demandas dos nossos clientes, que pediam itens de beleza e saúde. Além disso, quando surgiu o nome Taberna da Amazônia, já veio uma vontade de levar uma grande diversidade de produtos da floresta para o mundo. Era um sonho que eu achava muito distante, mas que agora, por meio de uma nova plataforma online, fica mais viável”, avalia Anne.

Entre as novidades, que podem ser conferidas no início de dezembro – mês em que o negócio completa quatro anos – estão um novo site com e-commerce em funcionamento, além da disponibilização de kits de produtos em charmosos paneiros (que podem ser adquiridos de forma avulsa ou por assinatura) e a divulgação de expedições amazônicas que promovem vivências com turismo comunitário em parceria com organizações locais.

 “A intenção é ter um Marketplace para pequenas iniciativas locais que atuam com expedições temáticas e em comunidades. A relação estabelecida com as iniciativas de turismo é de apoio na divulgação. Eu já costumava sugerir roteiros para clientes que pediam dicas para viagens à Amazônia. A Taberna agora vem como um apoio na divulgação dessas iniciativas por meio de seu site e redes sociais”, diz Anne.

Os paneiros, tecidos em fibra de arumã pelos Tikuna, também podem ser percebidos como vivências, na medida em que categorizam os produtos da Amazônia em quatro opções: Paneiro Pai D’água (produtos mais queridos da Taberna, como biscoitos, doces e bombons), Paneiro Pavulagem (traz produtos um pouco mais sofisticados ao paladar, pimentas, conservas, molhos, licores, geleias e chocolates), Paneiro Fit (produtos relacionados a dietas mais saudáveis e prática de esportes, com granolas, castanhas, guaraná) e Paneiro Caboquinho (reúne a cesta básica do nortista e traz itens como farinhas, tucupis, doces, café etc).

Em 2021, o leque de opções da Taberna passa a englobar itens de saúde, beleza e artesanato da floresta.

Mentoria oferecida pelo Programa foi fundamental na mudança

A intenção de expandir produtos e serviços já existia, mas ganhou ainda mais força com a mentoria de Hilton Menezes, CEO da Kyvo, oferecida pelo Programa de Aceleração da PPA, focada em modelo de negócio.  

“Ele tem sido uma peça fundamental dentro do processo de reestruturação do negócio. Eu atuo sozinha em todas as frentes da empresa, e a tomada de decisões acaba sendo um processo solitário e difícil. O mentor me ajudou a organizar as ideias em planilhas, quadros e visualizar os caminhos possíveis para o negócio”, avalia Anne. O processo também ajudou na investigação da jornada do cliente, escolha da melhor plataforma para o e-commerce e no financeiro. Os demonstrativos de 2020 já estão fechados e o negócio entra em 2021 com um planejamento financeiro desenhado.

Outra mudança importante é a localização do estoque, que em dezembro passa a ocupar um centro de distribuição em Botafogo, no Rio de Janeiro, o que vai facilitar o processo de entrega de produtos com delivery para a cidade e o envio dos produtos para outras partes do país. Os produtos ficavam em Manaus, o que acabava encarecendo bastante o frete para o consumidor.

“Todo o processo de aceleração está sendo muito proveitoso. Finalizo o ano enxergando de verdade a minha empresa. E com o objetivo de implementar o e-commerce alcançado. Além das dívidas pagas, com apoio do próprio Programa, que disponibilizou aporte de capital de giro por causa da pandemia, para ajudar os negócios a passarem por essa fase. Mais tranquilidade para crescer e faturar mais em 2021”. 

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Jornada digital do Programa de Aceleração em 2020 trouxe aprendizados e oportunidades

Com as limitações impostas pelo isolamento social na pandemia da covid-19, as atividades do Programa de Aceleração da PPA, planejadas em sua maior parte para serem realizadas em encontros presenciais com os empreendedores, foram transformadas em uma jornada digital.

A turma acelerada em 2020 participou de um encontro presencial de cinco dias em fevereiro, imersão fundamental para estabelecer laços entre os empreendedores e também para e elaboração das Teorias de Mudança de cada negócio.

A partir de então, com a epidemia avançando, a coordenação do Programa de Aceleração tratou de buscar alternativas para continuar o ciclo de capacitação previsto para se desenvolver ao longo do primeiro semestre de 2020.

Uma jornada digital foi desenhada, e incluiu ampliação de conteúdo e de facilitadores e parceiros – a não necessidade de deslocamento para encontros presenciais facilitou a compatibilização das agendas – e também a distribuição das atividades ao longo de todo o ano, o que proporcionou mais tempo para a absorção dos conteúdos.

Empreendedores, a equipe do Programa e facilitadores se conectaram por meio de webinars, que proporcionaram, além do compartilhamento de conteúdos, momentos de troca e construção coletiva.

Para a coordenadora do Programa de Aceleração, Ana Carolina Bastida, o novo formato trouxe o desafio de conseguir manter a interação entre os empreendedores e entre os empreendedores, facilitadores e parceiros do Programa, muito rica nos encontros presenciais.

“Essa interação tem sido fundamental para os empreendedores estabelecerem parcerias, trocarem lições aprendidas e experiências, porque vivem a mesma realidade e o desafio de empreender na Amazônia. E a gente conseguiu trazer essa interação, mesmo à distância, por meio dos formatos participativos dos módulos. Os negócios tiveram espaço para interagir e conversar na resolução de exercícios e desafios propostos pelos facilitadores”, avalia Ana.

A jornada digital ofereceu módulos de aprendizado sobre proposta de valor, canais digitais de venda, logística na Amazônia, branding e comunicação, inteligência operacional, planejamento financeiro, gestão contábil e precificação.

Além disso, foram promovidas três rodas de conexão: Empreendedorismo e negócios na Amazônia, com Ricardo Abramovay; Gestão de pessoas e autocuidado, com Regina Erismann; e Exportação de produtos sustentáveis, com Edy Chammah, da Brazil Global.

A coordenação do Programa avalia que o novo formato trouxe mais eficiência por reduzir custos de logística e tempo de deslocamento. E também mais eficiência na absorção do conteúdo em si, pela distribuição mais espaçada dos módulos ao longo do ano.

“ O ciclo de capacitação em formato digital trouxe oportunidade para os empreendedores se conectarem, de vários pontos da Amazônia, a facilitadores parceiros em todo o Brasil. Os encontros ajudaram no processo de organização frente à crise pandêmica, e trouxeram conteúdos e parcerias estratégicas para os negócios, como logística e exportação”, avalia Guilherme Faleiros, analista de novos negócios do Idesam.

Conexão e aprendizados

Workshop realizado em fevereiro, em Manaus

Para Saulo Thomas, da ONF Brasil, as atividades oferecidas contemplaram as necessidades do negócio, em especial os módulos voltados a logística e estratégia organizacional. “Esses aprendizados nos ajudaram a pensar em organizar a casa primeiro, antes de partir para coisas novas. A diversidade dos módulos foi muito interessante, temas como branding e comunicação foram muito novos para nós.”

Maria Eugênia Tezza, da Academia Amazônia Ensina, destaca que o Programa possibilitou o desenvolvimento de habilidades estratégicas para a continuidade do negócio. “Ficou realmente delicada a situação por causa da pandemia, mas com o apoio do Programa de Aceleração da PPA e de nossos expedicionários e expedicionárias, conseguimos passar esse período. A jornada digital trouxe um formato muito interessante, que conseguiu nos manter conectados. Ainda bem que nosso primeiro evento conseguiu ser presencial, para que todos pudéssemos nos olhar e nos sentir parte de um grupo unido em prol de um empreendedorismo consciente e engajado. Isso fez com que as atividades online proporcionassem mais conexão entre nós.”

Após os módulos da jornada digital, nos quais que teve aproveitamento maior no tema de comunicação e branding, a Academia Amazônia Ensina contratou um profissional de comunicação e trabalha atualmente no rebranding do negócio. 

Hélia Félix, da Cacauway, avalia que o novo formato trouxe muito aproveitamento, e ainda possibilitou que mais pessoas da equipe participassem das formações: “Em cada atividade, organizamos pequenos grupos de pessoas que se identificassem com o tema. Foi uma jornada intensa e de muito aprendizado.”

A jornada digital trouxe também a possibilidade de ampliar o número de participantes nas rodas de conexão e outras atividades, reunindo empreendedores do ciclo de 2019 aos do ciclo de 2020, e ampliando ainda mais a interação e a troca entre os integrantes das duas turmas.

Para Tainah Fagundes, da Da Tribu, acelerada em 2019, o Programa possibilitou oportunidades de atualização e de proximidade com as novas iniciativas aceleradas este ano, estabelecendo conexões e a possibilidade de trocas.

Joanna Martins, da Manioca, também acelerada em 2019, destaca a riqueza das atividades oferecidas: “O Programa tem nos ajudado muito em conexões e conhecimento, de uma maneira fora da curva se compararmos a outras iniciativas e grupos dos quais a gente participa. Isso tem trazido enriquecimento e resultados muito positivos para a Manioca”. 

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Ingredientes amazônicos são utilizados em bebidas inovadoras

Não é de hoje que sabores genuinamente amazônicos têm encantado chefs e inspirado receitas de comidas e de bebidas. 

Recentemente, a Kiro, produtora de um tipo de bebida relativamente nova no mercado (o switchel), mas já com grande aceitação entre o público consumidor, desenvolveu dois novos sabores: Maçã + Pimenta Jiquitaia e Cumaru + Cupuaçu.

A pimenta Jiquitaia, indígena é fornecida por comunidades do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, indicada pelo Origens Brasil. Já o Cumaru é fornecido pela Manioca, negócio que integra o portfólio do Programa de Aceleração e Investimento de Impacto da Plataforma Parceiros pela Amazônia. O Cupuaçu vem do sul da Bahia, produzido em uma fazenda familiar.

Comprometida com a cadeia produtiva e a rastreabilidade dos ingredientes, buscando a valorização do agricultor e o resgate da relação entre cidade e campo, a Kiro trouxe para o país a categoria de switchel, que embora tenha origem incerta, já era popular entre os trabalhadores rurais norte-americanos desde meados do século XVII como um isotônico natural. No Brasil, o produto se posiciona como alternativa a bebidas alcoólicas, sendo comercializado em bares, restaurantes e também pelo site.

Ingredientes amazônicos cada vez mais valorizados

“Já tínhamos o desejo de lançar novos sabores há um tempo, mas por vários desafios que surgiram ao longo da nossa trajetória, esse plano acabou sendo adiado. Fizemos muitos testes de receitas, sabores, frutas, sementes, enfim, e acabamos decidindo por esses sabores que lançamos agora”, diz Leeward Wang, um dos sócios fundadores da Kiro. “Cuidamos muito da origem dos ingredientes, e todas as histórias que eles trazem dão muita força para o produto, porque são ingredientes muito preciosos. ”

A conexão com os fornecedores amazônicos foi feita pelo AmazôniaHub, negócio de impacto localizado em São Paulo que conecta pequenos e médios produtores da Amazônia com consumidores em todo o Brasil. Rodrigo Ribeiro, do time da Kiro, fez o contato.

“Conheci o Rodrigo há alguns anos, quando ele trabalhava em uma iniciativa de conserva de pirarucu com óleos amazônicos. Nos reencontramos esse ano, no Galpão Biomas do Instituto Auá. Eles conversavam sobre o Cambuci, da Mata Atlântica, e começamos a falar sobre matérias primas amazônicas. Ele levou amostras de frutas e sementes para testes, e logo começamos a apoiá-los na busca dos fornecedores”, diz Kaline Rossi, CEO e co-fundadora do AmazôniaHub,

O AmazôniaHub tem feito pontes com vários parceiros para o fornecimento de ingredientes amazônicos em São Paulo, Curitiba, e mais recentemente com um comprador alemão que comercializa óleos e manteigas vegetais para fins cosméticos.

A Manioca, que fornece o Cumaru para a Kiro, começou sua trajetória abastecendo chefs de grandes restaurantes do Brasil com os sabores amazônicos, e agora já testemunha a diversificação de empresas interessadas nos ingredientes da floresta.

“Indústrias de bebidas, doces, produtos veganos, dentre outros, estão usando nossos sabores para criar produtos maravilhosos, que além do sabor trazem a preocupação de fortalecer nossa biodiversidade. Mais recentemente, passamos a fornecer para a Kiro, que produz uma bebida cheia de personalidade e que nos orgulha ter como parceira. E também para a Amazonika Mundi, que produz carnes plant based e passou a usar ingredientes amazônicos”, diz Paulo Reis, sócio da Manioca responsável pelo comercial. 

Foto: Kiro/divulgação