O turismo indígena de base comunitária é o centro do empreendimento Serras Guerreiras de Tapuruquara. Fundada em 2017, a iniciativa conta com atuação, direta ou indireta, de 13 comunidades das Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Nego II, no município de Santa Isabel do Rio Negro, no noroeste do Amazonas.
A gestão do empreendimento é realizada pela ACIR (Associação de Comunidades Indígenas e Ribeirinhas), em parceira com operadores de turismo de base comunitária. A FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e o ISA (Instituto Socioambiental) são parceiros no aprimoramento da capacidade de gestão, e a Garupa, que assessora iniciativas de turismo de base comunitária, atua conjuntamente na formatação e monitoramento dos roteiros e do modelo de negócio.
Os roteiros das expedições contemplam práticas culturais e experiências amazônicas guiadas pelos povos das Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II, e o objetivo é dar a conhecer aos visitantes a cultura e a diversidade do território, experimentando outros modos de vida e estabelecendo uma maior conexão com um território indígena e com a Amazônia.
O projeto foi pensado pela ACIR como estratégia para promover geração de trabalho e renda nas comunidades, especialmente para mulheres e jovens, com foco na valorização dos conhecimentos tradicionais das roças e das práticas alimentares.
A partir da aprovação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGATI) e da publicação da Instrução Normativa da Funai regulamentando atividades de visitação das Terras Indígenas, foi percebida uma oportunidade para desenvolver o turismo de base comunitária indígena e, com isso, estimular a manutenção do espaço das comunidades, de sua cultura, da produção de alimento e artesanato e, ao mesmo tempo, promover sensibilização dos que visitam essas comunidades e gerar renda.
Nos dois primeiros anos da iniciativa – 2017 e 2018 – foram realizadas oito expedições, que beneficiaram mais de 100 famílias das cinco comunidades envolvidas diretamente – quase 500 pessoas, de oito etnias. As 13 comunidades associadas à ACIR foram também beneficiadas indiretamente com o fortalecimento da Associação e pelo monitoramento do território, realizado por meio das expedições.
Em 2019, foram realizadas cinco expedições, sendo uma delas voltada para potenciais parceiros e clientes, envolvendo operadoras de turismo de base comunitária, com objetivo de formar rede de parceiros para inserir a iniciativa no mercado formal.
Em 2020, ano em que o Serras Guerreiras de Tapuruquara começou a ser acelerado pelo Programa de Aceleração da PPA, a pandemia do coronavírus forçou a interrupção das atividades, sendo a maior preocupação neste momento manter a segurança das comunidades.
O desafio do turismo em tempos de pandemia
Os povos indígenas da região do Médio Rio Negro enfrentam desafios de gestão territorial e ambiental, como conflitos geracionais, adensamento da ocupação territorial, migrações para zonas urbanas, além das pressões e ameaças externas de pesca e caça ilegais e mineração.
Um dos grandes desafios vividos pelas comunidades é a busca por soluções sustentáveis e autônomas para acesso à água e geração de energia. O turismo indígena, estruturado em modelo de base comunitária e associado à gestão territorial, tem potencial para minimizar esses problemas, oferecendo oportunidades para o desenvolvimento sustentável do território por meio da geração de renda, melhora da autoestima e resgate cultural.
A pandemia da covid-19 trouxe novos desafios com a impossibilidade da visitação. A FUNAI suspendeu todas as autorizações de ingresso e a visitação em terras indígenas, com objetivo de proteger as comunidades. Nesse cenário, nem mesmo as atividades de preparação previstas podem ser realizadas, tais como capacitações e certificações de primeiros socorros e dos condutores dos barcos fluviais.
Camila Barra, consultora da Garupa, parceira da ACIR e da FOIRN na concepção e implementação das expedições nas Serras Guerreiras de Tapuruquara, tem acompanhado as atividades do Programa de Aceleração da PPA com o cuidado de promover a sistematização do conhecimento para que, quando possível, seja compartilhado com as comunidades nas atividades de avaliação e monitoramento. Mas aponta que a covid-19 ainda é uma sombra sobre o futuro.
“O grande desafio é em que medida vai haver uma estruturação da capacidade de testagem, controle e tratamento de saúde nesses municípios para atender os casos necessários, porque os casos ainda vão existir. A única ação estruturante e que ampliou a capacidade do sistema de saúde no Rio Negro foi coordenada pela FOIRN, em parceria com os órgãos locais de saúde, a SESAI, Funai e com apoio dos Expedicionários da Saúde e dos Médicos sem Fronteiras.
Por meio de uma campanha de doação foram implementadas enfermarias de campanha no território, não apenas nas sedes municipais. Com uma rede de apoiadores crescentes, entre eles os operadores de turismo, agências parceiras, visitantes das expedições e o Programa de Aceleração da PPA, foram investidos recursos também para apoiar ações de distribuição de alimentos e de orientação de segurança sanitária.
Camila relata que a covid-19 levou recentemente o senhor Jaime Rodrigues, do povo Baré, pessoa mais velha e líder da comunidade de Cartucho, sede da ACIR e das atividades do Serras Guerreiras de Tapuruquara, juntamente com seu irmão. “Nas cidades muita gente adota uma postura de que a pandemia acabou. É muito importante manter os cuidados, porque os mais velhos estão sensíveis e vulneráveis”, diz ela.
“Temos ainda o grande desafio de descobrir quando vai haver condição de retomar a visitação. Os esforços agora são todos voltados para que as comunidades se mantenham bem e resguardadas, na expectativa de uma vacina, e entendendo que, pela lei aprovada no Congresso, os povos indígenas são um dos grupos prioritários.

Programa de Aceleração ajuda no redesenho do negócio
Com apoio do Programa de Aceleração da PPA, a Garupa tem avançado na melhor formatação do roteiro junto com os operadores parceiros, de modo que, quando houver condição de retomada, o Serras Guerreiras de Tapuruquara terá roteiros diversificados, para um público disposto a uma viagem mais longa e com a logística um pouco mais barata, com transporte em voadeiras e também com a opção de barcos hotéis para pessoas que precisem de um pouco mais de conforto ou viagens em família.
A Garupa tem se organizado numa força tarefa para aproveitar o conhecimento oferecido pelo Programa de Aceleração, já que a participação das comunidades está impossibilitada, e feito um trabalho de registro e sistematização dos aprendizados. Além disso, juntamente com a FOIRN, têm sido investidos esforços na captação de recursos e participação em editais de projetos e prêmios para poder apoiar a consolidação dos aprendizados e o aprimoramento dos roteiros indígenas no Rio Negro.
No Programa de Mentorias oferecido pelo Programa de Aceleração, a Garupa contou com a orientação de Paulo Belotti, da Mov Investimentos, na área financeira. O processo tem possibilidade o redesenho de todo o orçamento do negócio, buscando adequar e dar mais visibilidade aos tipos de despesas envolvidas no processo. “Estamos alinhando o orçamento com a produção de indicadores. E fazendo um importante exercício do custo de atividades que hoje são subsidiadas pelos projetos dos parceiros. Vamos compor um valor de pacote que é adequado para manter a gestão comunitária de pé”, avalia Camila. Esse ajuste deverá ser concluído até o final de 2020 e será base para rediscutir todo o Modelo C de negócios do Serras Guerreiras.
Outra frente abordada pela Garupa é trazer parceiros para o diálogo permanente e para olhar o sistema de repartição de benefícios, que envolve também comissionamento de agências. No entanto, o turismo é um dos setores mais atingidos com a pandemia, e vários desses parceiros estão cuidando de sobreviver a esse período.
A Garupa tem também participado de eventos com o setor turístico, entre eles o Abeta Summit 2020 – XVII Congresso Brasileiro de Ecoturismo e Turismo de Aventura, para que o Serras Guerreiras de Tapuruquara encontre portas abertas em um cenário mais positivo em 2021, ampliando parcerias e viabilizando uma retomada segura.
Fotos: Marcelo Monzillo/ISA e Henrique Suanier/Idesam
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